Envolta em panos rasgados e imundos, media a distância compreendida entre as pontas dos dedos e a dobra do meu cotovelo.
Alva, tinha uma penugem alaranjada cobrindo a cabeça, como uma camurça costurada sobre a pele. Os olhos ainda fechados não enxergavam as asperezas do mundo. Trazia o universo por dentro. Infinita, silenciosa, cheia de mistérios.
Começava a ensaiar os primeiros resmungos. E um balé de contrações e esticamentos fazia com que a pequena trouxa de retalhos insinuasse vida.
O arbusto franzino que se erguia sobre ela fazia sombra suficiente. Em volta, a terra rachada aumentava a aridez da cena. O riacho a uns cinquenta metros, devolvia certa beleza à paisagem rústica e ao abandono selvagem.
Uma música chorada começou a ser entoada. Doce, leve, gemida. Quando parecia ganhar força e estilhaçar ainda mais o solo ressecado, recolheu o canto e abafou os gemidos.
Foi então que me aproximei. Depois da caminhada sem fim pelos campos secos, debaixo do sol primaveril, minhas bochechas ardiam e a garganta era um deserto. O rio de águas frescas se dilatava na direção dos meus olhos sedentos. Corri. E quase pisei nela.
Enquanto os pensamentos desordenados dançavam feito bailarinos fora do ritmo, o impulso de sobrevivência me puxou em direção ao rio. Minhas mãos afundavam e formavam cumbucas cheias d’água a me encharcar o rosto. Talvez eu estivesse cansada demais. Talvez desidratada. Talvez louca mesmo.
Fios de rio me escorriam pelas laterais do rosto, molhando os contornos dos pensamentos. Refresquei a nuca, esfreguei os olhos, suspendi os cabelos para sentir o vento me soprar. E então voltei-me para a trouxa suja.
Os movimentos dos panos azulados eram agora mais vigorosos. Uma revoada de gaivotas cruzava o céu e abafava os gemidos que acompanhavam o contorcionismo curto do monte de panos.
Sequei o rosto com a barra do vestido e senti as pernas bambearem. Uma pontada rasgante me adentrava o meio das pernas, como se uma espada me sangrasse por dentro. Sentia no ventre que aquele era um caminho sem volta.
Abaixei. Toquei o volume e senti o calor que vinha dele. Pousei os dedos por um instante como que recuperando a coragem para prosseguir. E, então, a outra mão veio em auxílio. Desembrulhava com cuidado e decisão, tomada pelo instinto visceral que agora emanava da ponta dos meus seios.
Lá estava ela. Ruiva. Branca. Nua. De olhos fechados e boca aflita. Como uma selvagem, desabotoei o vestido e a pousei sobre o peito. Ela me sugou.
Creio que o leite ainda demorou uns dias a atravessar os dutos fartos da mulher feita mãe. Mas ela se alimentou desde o primeiro instante em que a tomei na pele.
Como uma virgem, fui mulher sem precisar de homem.
O anjo nunca me apareceu em sonho. Mas eu disse sim.
Ela se chama Dora.
Uma dádiva.